sexta-feira, 8 de outubro de 2010

“Flexível”



A campanha começa com a urgência necessária. Estamos atrasados 3 meses nas nossas actividades e sentimos a pressão de termos que acelerar os processos. Para esta campanha em particular realizaremos tudo numa semana. O plano está feito, a logística tratada e as equipas preparadas para entrarem em acção.
Encontramo-nos em Turiscai, já a meio da manhã. Apesar das horas aceitamos o café oferecido pelo administrador de sub distrito e discutimos o percurso do dia. Entre risos e disparates, ao falar com as inúmeras pessoas presentes apercebo-me que o plano do dia tem grandes falhas. As minhas duas aldeias a visitar encontram-se demasiado longe, sendo preciso um dia inteiro só para uma delas. À mesa, com a chávena de café na mão, João olha para mim e diz: “Mana, lae iha problema. Mana ba Mindelo no toba ne’e ba.” Dormir lá… desta não estava à espera… Mas o meu plano? É preciso cumpri-lo, a população está à espera… “Hau telefone no troca loron.” Trocar o dia das visitas. Isso vai atrasar a campanha… E é então que João remata no seu sorriso mais maroto: ”Flexível, flexível mana, tenki flexível”. A gargalhada é geral. Todos estão solidários com a árdua tarefa que me aguarda, num misto de preocupação e de expectativa, mas parto resignada para as quatro horas de caminhada até ao meu poiso daquela noite.

O que vejo…



…e que gostaria que visses também. Na fronteira dos meus medos, de cada vez que coloco um pezinho lá fora sou surpreendida com um mundo que se apresenta fascinante e desconhecido. Acompanhas-me?
No início da viagem concentro-me em seguir o guia por caminhos sinuosos e cheios de obstáculos e espero que tudo corra bem. Molho-me ao atravessar as ribeiras e sinto o frio a percorrer o meu corpo também por receio da corrente que me puxa as pernas. Sentindo de novo o conforto das botas nos pés, começo a subida até ao meu destino. O avanço é lento, começo a ter sede, a respiração fica mais pesada e o calor só é apaziguado com os esporádicos chuviscos que lavam o suor do meu rosto. São horas neste compasso, deparando-me ocasionalmente com pequenas povoações e cruzando-me com pessoas que apesar de descalças de confortos e luxos partilham um sorriso comigo, estando eu tão longe do meu meio. Sorrio em retorno, exagerando no cumprimento do “Bom dia”. As montanhas no meio das nuvens são esmagadoras e sinto-me mesmo pequenina. Repito para mim que tenho muita sorte, de como sou privilegiada e não sei porquê penso em ti, olhando para a paisagem que me rodeia e que me deixa fascinada.
Não posso dar-te o que gostaria… Partilho contigo as minhas aventuras, ofereço-te as minhas palavras, não podendo no entanto partilhar os meus olhos.