terça-feira, 14 de dezembro de 2010

O dia em que te darei um abraço

Hoje foi demais! Saio de manhã e vou para o escritório de Caicoli para enviar uns documentos por email para Portugal, atrasados já duas semanas. Não percebo… a caixa de correio devolve a mensagem, logo não sendo entregue. De seguida tento concorrer a um trabalho e ocorre um erro durante a candidatura online, ficando sem efeito uma hora de esforço. Pois bem, decido ir almoçar, pois o dia não está a correr muito bem, e o carro não pega. “Bateria” dizem, mas desta vez nem de empurrão. Espero pela minha colega e vou de machibombo. Pela tarde, uma vez que não tenho carro, apanho táxi para o escritório de Comoro, devido à necessidade de falar com o meu chefe, mas há um corte de luz e ele não aparece. Bonito… Agora nem trabalhar posso, mas ao menos não fui a pessoa a levar um soco de um condutor descontente por ter sido despedido. Isto já está a ser demais!” Meus amigos, vou para casa…” Novamente de táxi.
Há dias em que não deveríamos sair da cama. Ocorrem uma série de situações que fazem pensar que o mundo está do “contra”, levando a um desânimo geral onde o único escape é sonhar. E sonho de olhos abertos… Espero o dia, imagino-o e desejo esse momento.
Não importa o quão distante estou… ou sou, tu sabes... Até breve?

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Partying… numa Mikrolete


Numa noite como outra qualquer, estou em frente ao computador e alguém bate à porta...
“Em 10 minutos passamos por aqui para vires connosco jantar. Veste-te de branco.” O quê? Como? Diz lá outra vez? Ok, ok, vou-me mudar. Peço uma camisa branca emprestada, lá desencanto umas calças e vou com eles. À porta da minha casa estava aquilo que eu não estava à espera. Uma Mikrolete branca que emanava do seu interior uma luz azul e vermelha com uns autocolantes a cobrir parte da brancura a dizerem tudo e nada. E assim partimos pelas ruas de Dili… partilhando o espaço com os meus amigos, ao som de uma boa música e uma bebida na mão. Suponho que são estas loucuras que dão um colorido à vida…

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

“Flexível”



A campanha começa com a urgência necessária. Estamos atrasados 3 meses nas nossas actividades e sentimos a pressão de termos que acelerar os processos. Para esta campanha em particular realizaremos tudo numa semana. O plano está feito, a logística tratada e as equipas preparadas para entrarem em acção.
Encontramo-nos em Turiscai, já a meio da manhã. Apesar das horas aceitamos o café oferecido pelo administrador de sub distrito e discutimos o percurso do dia. Entre risos e disparates, ao falar com as inúmeras pessoas presentes apercebo-me que o plano do dia tem grandes falhas. As minhas duas aldeias a visitar encontram-se demasiado longe, sendo preciso um dia inteiro só para uma delas. À mesa, com a chávena de café na mão, João olha para mim e diz: “Mana, lae iha problema. Mana ba Mindelo no toba ne’e ba.” Dormir lá… desta não estava à espera… Mas o meu plano? É preciso cumpri-lo, a população está à espera… “Hau telefone no troca loron.” Trocar o dia das visitas. Isso vai atrasar a campanha… E é então que João remata no seu sorriso mais maroto: ”Flexível, flexível mana, tenki flexível”. A gargalhada é geral. Todos estão solidários com a árdua tarefa que me aguarda, num misto de preocupação e de expectativa, mas parto resignada para as quatro horas de caminhada até ao meu poiso daquela noite.

O que vejo…



…e que gostaria que visses também. Na fronteira dos meus medos, de cada vez que coloco um pezinho lá fora sou surpreendida com um mundo que se apresenta fascinante e desconhecido. Acompanhas-me?
No início da viagem concentro-me em seguir o guia por caminhos sinuosos e cheios de obstáculos e espero que tudo corra bem. Molho-me ao atravessar as ribeiras e sinto o frio a percorrer o meu corpo também por receio da corrente que me puxa as pernas. Sentindo de novo o conforto das botas nos pés, começo a subida até ao meu destino. O avanço é lento, começo a ter sede, a respiração fica mais pesada e o calor só é apaziguado com os esporádicos chuviscos que lavam o suor do meu rosto. São horas neste compasso, deparando-me ocasionalmente com pequenas povoações e cruzando-me com pessoas que apesar de descalças de confortos e luxos partilham um sorriso comigo, estando eu tão longe do meu meio. Sorrio em retorno, exagerando no cumprimento do “Bom dia”. As montanhas no meio das nuvens são esmagadoras e sinto-me mesmo pequenina. Repito para mim que tenho muita sorte, de como sou privilegiada e não sei porquê penso em ti, olhando para a paisagem que me rodeia e que me deixa fascinada.
Não posso dar-te o que gostaria… Partilho contigo as minhas aventuras, ofereço-te as minhas palavras, não podendo no entanto partilhar os meus olhos.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

"Não me sinto bem...


... Dói-me muito a cabeça, o pescoço está tenso e estou cheia de frio…”
Começa sempre assim. Um mau estar generalizado que me leva a pedir um termómetro emprestado para me inteirar de que tenho quase 40 ºC. Recorro aos dois paracetamol da praxe e aguardo no escuro que o alívio chegue brevemente, sentindo o suor a encharcar a roupa. “Talvez amanhã esteja melhor…” e deixo-me vencer pelo cansaço.
A esperança desvanece-se logo ao raiar do dia… Com a ajuda daqueles que se tornaram família, aqui tão longe da minha, lá vou, passivamente, doar o sangue para ver “o que raio se passa desta vez”. Após a febre é a vez das hemorragias, das dores nas articulações, do cansaço instalado sem data de partida e dou por mim com demasiado tempo para reflectir. Não é bom… estou demasiado frágil para ser coerente naquilo que quero e só penso em partir. Tenho saudades de casa… e vêm-me à cabeça as imagens de quem gosto.
Com as melhoras ganho um novo fôlego. Volto a encontrar sentido nesta vida que por vezes parece não fazer sentido algum, mas à qual já não consigo voltar as costas.

domingo, 8 de agosto de 2010

As voltinhas no machibombo

Na cidade de Dili, andar na estrada pode ser bastante aborrecido. No alto da “kareta” (pronuncia-se carreta), com a minha colega pacientemente a conduzir, não há muito a fazer nas horas de ponta a não ser deixar-me levar pela paisagem citadina de um trânsito caótico. Neste compasso não há nada como uma boa conversa que roça o “nonsense”. Atira-se sempre uma piada acerca da senhora que vai sentada à donzela na mota da frente, pois a mini saia e os saltos não permitem ir de outra forma, faz-se referência à lição de equilíbrio de uma família inteira que segue em cima da mota vizinha, comenta-se o “bom gosto” dos sofás da loja de mobiliário e do visual da mikrolete que se meteu à “rasca” ao nosso lado. Nestes momentos também se encontra uma brecha para falar da família e das experiências passadas em Timor. E já começam a ser bastantes experiências. Numa destas conversas a minha colega recorda uma festa em Same onde o “protocolo” (a pessoa que dirige a festa) faz um aviso ao microfone no decorrer da dança, que é tradicionalmente aos pares, “…. tem que respeita, tem que disciplina”. Não sei porquê acho o comentário hilariante, ensanduichada entre dezenas de motas e carros onde a regra é a excepção.

domingo, 20 de junho de 2010

Sábado de manhã em Dili

Se existe um dia da semana pelo qual eu anseio é o sábado, mais especificamente a sua manhã. Equipada com sapatilhas, chapéu e ao som das minhas músicas preferidas despeço-me da Gajha, que ladra saltitante ao meu redor, e saio de casa para me “perder” pela cidade.
Logo à saída um miúdo com uma palete de ovos segue comigo dizendo “Mister, Mister mantolun?” o que aqui a miss agradece mas recusa a oferta, recusando também os inúmeros taxistas que teimam em abrandar e apitar insistentemente até chamarem a atenção. E assim, desfazendo-me em bons dias aos transeuntes da rua, sigo em direcção à marginal para ser saudada pelo mar calmo e azul que marca a distância até à ilha de Ataúro. A cidade ainda está a acordar… as bancas improvisadas de peixe não estão montadas e os “malai”/estrangeiros ainda dormem após mais uma noite de copos.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

sábado, 29 de maio de 2010

Noite em Maubisse

Após semanas de completa letargia, dou por mim, sentada no restaurante “Sara”, a apreciar o que me rodeia. São quase oito, a noite já caiu e Maubisse a esta hora está gelada, molhada e com ar de abandono. Todos esperam impacientemente pelo jantar e nesse compasso há quem se aqueça com uma garrafa de ginginha. Somos um grupo grande, cerca de 20 pessoas, do Ministério da Agricultura de Same que participa no dia seguinte no” workshop” em Turiscai.
Engraçado como as coisas acontecem… Sem esperar encontro uma amiga de Dili seguindo-se a conversa de praxe,” Olá, então o que fazes aqui?”. Claro que a resposta é sempre óbvia… trabalho. Num dia de semana, raros são os que se deslocam aos “distritos” para turismo.
Acabamos por ficar a dormir no mesmo quarto, numa “guest house” ali perto e, apesar da expectativa, este revelou-se o “habitual”. Ambas estamos um pouco desoladas, não é fácil habituarmo-nos a estes padrões de qualidade, pelo que o melhor será mesmo dormir. Assim, à luz das velas tomo um gélido banho de caneca tentando não molhar muito a sanita, faço uma cena de equilibrismo a vestir o pijama para não molhar as calças, cuspo a pasta de dentes para o ralo do chão pois não há lavatório e rapidamente me dirijo para a cama onde um lençol, que não se sabe muito bem quando foi mudado, a tapar o colchão e um cobertor com um cheiro esquisito me aguarda, mas… um leitor de DVD’s e quatro filmes de Hollywood de repente surgem no meu campo de visão, “Então o que queres ver? Pode ser uma comédia?” E a noite de repente tornou-se bem mais divertida.
Após a meia-noite cai a escuridão em toda a vila. Deitada a ouvir a chuva, tentando não ligar muito à clarabóia improvisada no tecto e ao cheiro do cobertor, não consigo evitar esboçar um sorriso nesta caricata situação.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

O silêncio da distância

O que fazer quando, espalhados pelo mundo, aqueles que se falavam diariamente se calam. Será que estamos tão absortos no dia-a-dia que nos tornamos desinteressados com os elos do passado? Suponho que, mesmo numa "aldeia global", a distância impõe-se como uma barreira por não estarmos a partilhar as mesmas histórias, o mesmo... dia-a-dia. E isso poderá justificar tudo ou poderá ser nada, pois existem aqueles que no silêncio conservam o carinho e a saudade.

terça-feira, 16 de março de 2010

Café


Foram dois dias de voltinhas, numa rotina de colocar cerca de 400 plantas na caixa da carrinha e de as voltar a tirar perto de uma plantação. Estava calor e as costas e os braços já me doíam mas, cumprindo o programa estabelecido, era importante a entrega dos novos pés de café para a renovação dos cafezais. Entre o viveiro e o agricultor lá se levava mais uma “carrada” ao som da cassete de música country do Sr.Ali.
Durante os tempos de escola, a cultura do café sempre me pareceu fascinante e fez-me ansiar o dia em que poderia finalmente ver uma planta, sentir o cheiro a flor de laranjeira aquando a floração, colher uma "cereja" e observar o grão antes da torra. E esse dia acabou por chegar. Há sonhos que sempre se realizam, pensei… Até me deparar com as plantações com 30 anos de abandono de Timor-Leste. De uma assentada a importância do meu trabalho tornou-se tão grande como estas árvores e espero, que no futuro, não tão improdutivo.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Same

Na terça-feira pelas 14h 30m partimos para uma viagem de cerca 4 horas (se fosse eu a conduzir seriam seguramente umas 6) rumo a Same. Incluido no distrito de Manufahi, este subdistrito, que me leva a recordar a esplendorosa vegetação de São Tomé, será a partir de Maio o meu poiso durante a semana. E estou em pânico. A estrada, com as suas "1001"curvas que nos fazem ter quase "1001" acidentes, com os buracos e deslizamentos de terra devido às fortes chuvas da época, prolonga-se a ponto de esgotar a paciência a um santo. E depois desta aventura ainda existe o desafio do trabalho. Ser a única expatriada a trabalhar a tempo inteiro num ministério, a implementar um projecto, que se espera que tenha sucesso, não é tarefa fácil. Mas nunca é...
Entre angústias e dúvidas existe sempre o apreciar de um local e de uma cultura tão diferente da minha que torna tudo tão "pitoresco". E esta talvez seja a palavra que me surge, no entanto, como hei-de de descrever aquele meio?
Entrei no ministério e fui apresentada aos funcionários, e entre risos e cumprimentos passo para a sala de reuniões apetrechada com as novas aquisições patrocinadas pelo projecto. Logo de início reparo que no centro estão algumas das novas mesas de escritório, rodeadas de cadeiras de plástico, que num canto se estendia uma tela com o conteúdo do computador projectado e que ao fundo se encontra uma pequena árvore de Natal de plástico, estrangulada pelas fitinhas, como objecto de decoração permanente. Achei engraçado esse contraste, o que é que eu estava à espera? e entre pensamentos a minha atenção foi sendo desviada pelo som das vozes ao meu redor que falavam tetum, inglês, indonésio e ocasionalmente o português.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Insónia

Por vezes, mais do que gostaria, o fechar dos olhos para usufruir da calmia de estar inconsciente torna-se uma frustação. Teimosamente deitada, a tentar ignorar o som do ar condicionado, não consigo desligar a cabeça do que me incomoda. São nestes momentos que o passado ganha vida outra vez, que o desafio do trabalho se torna uma montanha inultrapassável, que as minhas inseguranças surgem com toda a força e, também são nestas horas, que me sinto verdadeiramente só...
Tento aplicar várias técnicas que poderão, eventualmente, devolver o sono como imaginar um local aprazível que me faça relaxar, uma situação bonita que me faça sonhar ou simplesmente, quando tudo o resto já falha, ao tradicional contar dos carneirinhos. E assim se passam as horas, ouvindo lá fora o ladrar dos cães e o som emanado pelas osgas, com a crescente preocupação de ter mesmo de dormir, até que sou sobressaltada pelo chamamento da mesquita, "Merda, já são cinco e meia".

Timor-Leste



Quando penso nesta palavra recordo-me daquilo que eu pensava que ela representava, um país do outro lado do mundo, pobre, inseguro, com pessoas de aspecto triste.
Após dois dias de viagem, numa diferença horária de mais 9 horas (no verão são 8), saio do avião para ser recebida por um bafo quente que fez com que o casaquinho, que tanto jeito deu para me defender do ar condicionado do avião, se cola-se desconfortavelmente ao corpo. Cá me encontro outro vez. Entre o cansaço e a preocupação de me meter na fila correcta para o visto, lá consigo esgueirar-me até à passadeira rolante que traz a bagagem para 12 meses da minha vida. Já não há volta a dar...
Fiquei mesmo contente por ver caras conhecidas na multidão que esperava os recém-chegados. Na verdade, no tempo em que estive ausente nunca as esqueci, mas ainda não as consigo posicionar noutro espaço que não este.
Agora podia relaxar, ia para o que já considero a minha casa, para o meu quartinho e ainda por cima, para meu delírio, no Machibombo.